quarta-feira, 25 de maio de 2011

Dança de São Gonçalo

A dança-de-são-gonçalo é uma cerimônia coreográfico-religiosa, de origem portuguesa (festa das regateiras, do Porto), realizada em louvor de São Gonçalo do Amarante.

Trazida para o Brasil pelos colonizadores, difundiu-se por quase todo o país. Além do conteúdo religioso (homenagem ao santo considerado casamenteiro e patrono da fecundidade humana), chegou a ter em certa época caráter erótico, já desaparecido.

No Paraná é dançada em duas fileiras, uma de homens e outra de mulheres; em Januária, MG, as dançarinas vestem-se de branco, são guiadas por um homem e trazem sobre a cabeça um arco enfeitado de branco, só abaixado para cumprimentar o santo ou realizar figuras coreográficas especiais. Essas figuras chamam-se formas e quase sempre se assemelham a utensílios domésticos, tomando o nome da coisa que representam. No interior da Bahia são formadas duas fileiras, uma de homens e outra de mulheres, precedidas por um tocador de pandeiro.

Nos demais Estados do Nordeste e do Norte, ainda aparece em povoados e fazendas. No interior de São Paulo apresenta complicada execução, dividida em quatro ou cinco partes, denominadas mistérios, todas de demorada realização. Assim, em Mogi das Cruzes, SP, a dança com os intervalos chega a ter 12 horas. É comum encerrar a dança-de-são-gonçalo com o cururu.

Não há data preestabelecida para a realização da dança, que costuma acontecer nas noites de sábado e ser seguida por fandango, xiba, cateretê etc. O devoto que fez promessa e alcançou alguma graça de São Gonçalo, costuma oferecer sua casa para a realização da dança, convidando amigos, vizinhos e violeiros. Se não pode oferecer a casa, a função é numa capela. Nas casas, arma-se um altar para o santo: é defronte dele que se realizará, com todo o respeito, essa dança de teor religioso.

Em Taubaté SP, ela se desenvolve assim: retiram-se todos os santos do altar, deixando somente a imagem de São Gonçalo. Dois violeiros-cantadores — o mestre, que faz a primeira voz, e o contramestre, que faz a segunda ou tipe — dirigem a coreografia. Cinco pares de dançarmos, divididos em duas colunas (mulheres à direita dos homens), têm à frente os dois violeiros, que ficam perto do altar. Depois que todos se colocam alinhados e de frente para o santo, não se voltam mais de costas para o altar, pois tal atitude seria desrespeitosa. O mestre fica à testa da coluna masculina e o contramestre, da feminina.

Dividem a dança em cinco partes e em cada uma cantam cinco a seis quadras (chamadas versos); a cada verso cantado, realizam uma volta, nome dado ao conjunto de canto e coreografia (deslocamentos, sapateados e beijamentos), sendo ambos alternados. Entre as voltas não há intervalo, mas, durante os existentes entre um mistério e outro, os dançantes mantêm-se em seus lugares, porque sair é falta de respeito.

Nas trovas da primeira parte, dizem da necessidade de benzimento, pedem para se livrarem de quebrantos e pedem licença para executar a dança. Cantam a reza “repartindo”, e “repartir a reza” significa o mestre solar um trecho e o contramestre, outro. Cantam alternadamente, menos o último trecho e o amém, que entoam juntos.

Em Goiás, a dança-de-são-gonçalo acontece assim: dispostas em duas fileiras, as moças seguram, aos pares, um grande arco ornamentado e iluminado com velas. Avançando e recuando, dançam ao compasso de música própria. Durante os ventureiros (espécie de estribilho), os últimos da fila passam sob os arcos, colocando-se à frente, e assim, sucessivamente.

Em povoações do norte de Goiás, existe ou existiu a roda-de-são-gonçalo, constituída por um bando de moças vestidas de branco e trazendo nas mãos arcos cobertos de flores e fitas. Costumam sair por ocasião das festas de Nossa Senhora do Rosário e de Reis, percorrendo as ruas e vilarejos, cantando canções místicas em louvor a São Gonçalo. Vão parando nas portas das famílias mais importantes ou onde forem chamadas. Como da roda só participam moças, os rapazes as acompanham em alegre algazarra. O acompanhamento é feito por uma pequena orquestra constituída de rabeca, violões, violas e berimbaus, com destaque para a figura do rabequista. 

São Gonçalo

São Gonçalo tem pelo interior de São Paulo um fervoroso culto. Tem-no estudado com afinco o doutor Maynard de Araújo, folclorista dos mais sérios, com obra vasta e substanciosa. O culto foi levado de cá e lá; em Tatuí, por exemplo, também se canta como cá:

"São Gonçalo de Amarante
Casamenteiro das velhas
Porque não faz casar as moças?
Que mar les fizero elas?"


Diz o acatado folclorista: "veio com os portugueses no âmago de suas almas nostalgiadas, no bojo de suas guitarras, que no Brasil se transformaram em violas".

Padroeiro dos violeiros, atribuindo ao passado do Santo, espírito folgazão, a sua imagem é apresentada tocando viola. Santo casamenteiro, por excelência, não deixa de ouvir as preces dos que sofrem. Segundo informa o folclorista citado, encontrou esta crença em Tatuí: os velhos reumáticos ficam sãos "do seu mal, se dançarem a São Gonçalo" com fé e respeito:

"Meu glorioso São Gonçalo,
Para toda a vida eterna
Quem dançá p’ra São Gonçalo,
Nunca sofre dor de perna."


Canta-se em Taubaté, também cidade paulista. E em Ubatuba:

"São Gonçalo foi p’ró céu.
Mas deixou bem declarado,
quem dançá a dança dele
há-de ficá curado."

E em Cunha:

"São Gonçalo subiu p’ró céu,
Visitá a Cruz de cristandade,
Deixô bastante saúde,
bastante filicidade."

"É uma dança de magia" – escreve Alceu Maynard Araújo -, afasta os perigos, afugenta os riscos de naufrágio (Ubatuba); quando há alguém em perigo na pesca, fazem promessa ao santo (Cananeia):

"Já louvei a São Gonçalo,
esse santo me valeu,
contra todos os perigo,
ela já me protegeu".

Informa-nos ainda Alceu Maynard Araújo:

"Nos lugares visitados, onde assistimos à Dança de São Gonçalo, a imagem do santo às vezes é comprada, outras vezes é feita por "curiosos" que a entalham na madeira, a canivete, ou fazem-na de barro... Em todas as imagens o santo traja um calção à moda portuguesa, de Braga, preso pouco abaixo do joelho por uma meia preta, comprida, calça borzeguim, chapéu na cabeça, capa azul nas costas, viola na mão".

Depois descreve a dança:

"A dança é realizada em frente do altar. Dois violeiros ficam entre duas filas dos dançarinos, uma de homens, outra de mulheres, lado a lado. A maneira de dançar é diferente em diversos lugares visitados. Quanto à disposição dos violeiros, também. Mas sempre há o sapateado. Quando cada par finaliza o sapateado, fazem o beijamento. Vão beijar o altar, o santo ou as fitas que estão nele amarradas. É este momento que muitas moças aproveitam para amarrar uma fita, pedindo para que ele faça seus casamentos com quem elas gostam. A fita desta promessa é sempre branca. Quando as mulheres casadas querem fazer um agradecimento ao santo, dão fitas de cores".

A dança é refeita em "cumprimento de promessa", pelas graças recebidas. É uma dança demoradíssima, leva às vezes horas e horas, mas no seu desenrolar há sempre o máximo respeito. No lugar onde está sendo realizada, não se fuma, e descobrem-se, ao entrar no salão. Ao São Gonçalo não oferecem dinheiro, nem mantimentos, nem animais; pagam as suas promessas somente com dança, enfeitando o altar ou amarrando fitas ao santo.

"Em alguns lugares há um respeito enorme pela dança, a ponto de não se dançar o Fandango, na casa onde houve Dança de São Gonçalo, e, sim, numa próxima. E ai daquele que zombar da dança".

Sempre violeiro, também é considerado marinheiro pela gente da beira-mar:

"São Gonçalo já foi santo
ele já foi marinheiro.
Ele andou embarcado
até ao Rio de Janeiro".

(De Cananeia)

Por sua vez o professor Rossini Tavares de Lima, diretor do Centro de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade, de São Paulo, afirma:

"Entre as populações suburbanas do nosso país, nenhum santo leva a palma a São Gonçalo de Amarante."

"Na Bahia é crença generalizada que era ele um frade português, tido vulgarmente como promotor de casamentos das solteironas".

Atribui a isso a sua semelhança com Santo Antônio, sendo ambos evocados para o mesmo efeito.

Também acentua que no Brasil a parte coreográfica da festa é ainda a mais importante, tanto assim que se costuma dizer "dança de São Gonçalo". Em Pernambuco, chama-se "baile de São Gonçalo". Na Bahia, é "roda de São Gonçalo". Outra denominação usual no sul é a de "função de São Gonçalo".

No meu trabalho A Bahia e o seu folclore relicário de tradições lusas refiro-me ao culto de São Gonçalo.

Também no Ceará se cultua o famoso santo, cantando-se, como refere Gustavo Barroso, em Ao som da viola:

"São Gonçalo de Amarante
Santo bem casamenteiro.
Antes de casar as outras,
A mim casai-me primeiro".


Fontes: Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora; Site Jangada Brasil in "BETTENCOURT, Gastão de - Flagrantes do folclore do Brasil".

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